Eu era a mão de obra barata da minha família.
Criança, entre 7 e 12 anos, era o encarregado de fazer compras: cigarros, leite, pão, querosene, etc. Em casa, quase todos fumavam mas, para meu azar, eles não combinavam a hora de me mandar comprar os cigarros, assim, de meia em meia hora eu era mandado à “venda” do César. Ia e voltava reclamando. As distâncias que eu percorria iam de 50 a no máximo 300 metros, mas eu reclamava na ida e na volta. Já o leite era comprado na Leiteria Poços de Caldas, na Rua Rio de Janeiro. O cheiro do leite, bom, impregnava o ar. Na volta, eu girava a leiteira experimentando o efeito da força centrífuga. Felizmente nunca derramei o leite. Isso provocaria sérias consequências.
Mas, de vez em quando, um primo ou tio aparecia em casa para me convidar para uma pescaria ou para ir a algum lugar distante onde existiriam mangueiras ou jabuticabeiras carregadas. Íamos a pé ou de bicicleta. Mais que rapidamente eu aceitava o convite. Minha avó reagia: “para isso você tem disposição, não?”
Nas décadas de 1950 e 60 essa era a rotina de crianças da minha idade. Crianças estavam a serviço dos adultos. Num Brasil ainda predominantemente agrário, os filhos eram muitos porque eram os braços que as famílias precisavam para trabalhar na lavoura e, também, para mais tarde sustentar os pais idosos. Portanto, desde cedo os filhos eram vistos como braços. Braços precisam ser comandados, porque não têm vontade. Essa cultura, autoritária, era expressa através de afirmações que negavam aos filhos o direito de escolher. O exercício da vontade era negado. Frequentemente eu ouvia que “criança não tem querer”. Quem tinha querer era o adulto e a criança estava à sua disposição para satisfazer o seu querer. Era assim.
Um pouco antes dessa época, em 1943, Abraham Maslow publicava sua obra seminal Theory of Motivation. Obra que, infelizmente, minha avó não chegou a ler. Se tivesse lido, teria entendido as minhas reações diante daquilo que eu fazia por obrigação e daquilo que eu escolhia fazer.
A possibilidade de escolher é que vai determinar o meu nível de estresse, não a natureza ou o volume de trabalho ao qual eu me dedico. Para cumprir as obrigações domésticas eu andava 300 metros. Para ir pescar eram quilômetros.
Na abordagem tradicional, o estresse decorrerá de um estímulo: eu darei a você uma tarefa difícil, desagradável, cansativa ou perigosa e você, naturalmente, ficará estressado. Quando, entretanto, diante das mesmas condições você escolher – conscientemente – fazer aquilo que eu lhe proponho, não existirão as condições para o estresse, quando muito para o cansaço.
O que minha avó não entendia é que não há uma relação direta entre volume de trabalho e o estresse. O que causa estresse são: as mentiras ou as omissões; o desequilíbrio entre responsabilidade e competência; e, a baixa autoestima. Nas três condições eu estou abrindo mão da escolha, meu protagonismo está comprometido.
Veja agora a tempestade perfeita: suponha uma situação em que querendo agradar você eu assumo a responsabilidade por algum trabalho para o qual eu não tenho competência, mas eu minto ou omito essa condição. Pronto, estão dadas as condições para o estresse.
Aprendi a lição: nunca pedi a crianças que fizessem por mim algo que eu mesmo poderia fazer.