Toda empresa de prestação de serviço tem o desafio de administrar a tensão entre dois fatores críticos de sucesso: a credibilidade e a visibilidade. A tensão decorre de uma equação simples: quanto mais visibilidade, maior o risco para a credibilidade. Por outro lado, uma atenção exagerada à credibilidade pode comprometer a visibilidade. Como um especialista que mergulha tão fundo na busca do conhecimento que acaba desaparecendo para o seu mercado e consumidores.
Assistimos nesta semana um episódio que evidencia um sério desequilíbrio entre os dois fatores. Em uma ação de merchandising na novela das 9 horas da Globo, uma personagem se apresenta como coach formada por uma consultoria e, portanto, habilitada a tratar, entre outros, de traumas causados por abuso sexual cometido pelo padrasto de outra personagem. A primeira aparição na novela da autodeclarada coach foi como advogada, quando ela menciona que suas habilidades de coach permitirão que ela extraia a verdade de uma acusada de homicídio – a qual se descobre posteriormente é sua própria mãe! Ah, no passado nós criticávamos as novelas mexicanas…
Duas questões se impõem. A primeira diz respeito ao âmbito e alcance do processo de coaching – ele não é recomendado nem foi desenhado para tratar, por exemplo, de traumas por abuso sexual. A segunda é que, mesmo considerando uma dimensão terapêutica para o coaching, como uma advogada que fez um curso de fim de semana pode apresentar-se com tais habilidades?
Ainda que se trate de uma obra de ficção, como reconhece em nota CRP – Conselho Regional de Psicologia, existem limites éticos que devem ser respeitados sob pena de induzir milhões de telespectadores a acreditar na existência de uma ferramenta milagrosa chamada coaching.
É a primeira vez que tenho notícia de uma ação de merchandising desse tipo. Viralizou e é alvo de inúmeras críticas nas redes sociais, exatamente porque, no afã de aumentar sua visibilidade, a empresa comprometeu seriamente não apenas a sua credibilidade mas a do próprio processo de coaching, que é vendido como uma panaceia universal.
Não é a primeira vez que o coaching é alvo de abordagens banalizadoras. Que eu me lembre, nunca uma metodologia de desenvolvimento se transformou em um modismo tão disseminado. Há coaching para tudo e todos. Qualquer ajuda – de perda de peso à renovação do guarda roupa –, se transformou num campo de trabalho para coaches. Por certo, nada mudou na forma de tratamento de questões e problemas dessa natureza, apenas que o profissional que a oferece trocou o nome do serviço que ele presta para pegar carona numa onda que, supõe, lhe dará mais charme, clientes e dinheiro.
Profissionais sérios se perguntam sobre o barateamento do coaching e os riscos de ele ficar desacreditado por ter se transformado em solução fácil e rápida para todos os problemas humanos. Mas, se levarmos em conta a trajetória de outras metodologias, é certo que uma parte considerável daquilo que chama coaching vai desaparecer, desgastada como todos os modismos. É uma pena, entretanto, que abordagens úteis e necessárias sejam tratadas como produtos enlatados, a partir de ações comerciais agressivas de visibilidade, rompendo o equilíbrio que profissionais responsáveis lutam para manter: não comprometer a seriedade do seu trabalho para ganhar mais dinheiro.
Perfeitas as colocações. É absurdo como a falta de ética está se tornando comum. Fiquei indignada ao ver as cenas. Sou psicóloga e coach, especializada por diversos cursos e muita leitura e estudo. Absurdo! O CRP já se posicionou a respeito. Vamos aguardar para ver as providências.
Gostei muito! O duro é que o varejão parece ter partido das próprias instituições que se estabeleceram como coaching houses.
Como sempre , didático e certeiro em suas observações . Trata-se de prestação de serviços importante para os “trabalhadores” do coaching !!! Obrigado pelo esclarecimento e tomara que o modismo tenha ido embora junto com aquela novela .
Outra oportunidade perdida dos meios de comunicação no sentido de informar adequadamente seu publico , mostrar caminhos , iluminar alternativas e fornecer , no mínimo, informação madura e profissional .
Cada vez mais , é o que se pode esperar da televisão aberta !!!!
Obrigado, Odino