A ministra que trai a própria pasta – Marcondes Consultoria

A ministra que trai a própria pasta

Com as necessidades básicas mais do que atendidas e com uma remuneração muito além do que a maior parte dos brasileiros jamais ousaria sonhar, Luislinda Valois, ministra dos direitos humanos, trai a população brasileira representada pela pasta que ocupa.
Ela produziu um documento de 207 páginas para justificar sua pretensão: acumular a aposentadoria como desembargadora com o salário de ministra, totalizando R$ 61,4 mil por mês. Como profissional, não a recrimino por pleitear o direito de ser remunerada por seu trabalho. No segmento privado, é normal que pessoas aposentadas e ainda em plena atividade, sejam financeiramente recompensadas. Entretanto, há uma lei que estipula como teto de remuneração o valor de R$ 33,7 mi e vale para todos os servidores públicos. Essa lei pode ser criticada e ser objeto de propostas de reformulação, mas não acho que é o momento para isso, uma vez que não temos condições sequer de pagar as contas públicas (entre elas as aposentadorias).
É como cidadã que me espanto. Quando já pensamos ter visto e ouvido de tudo, a ministra trai a sua própria pasta com argumentos de caráter duvidoso. Em entrevista à CBN, Luislinda reclamou injustiça da qual estaria sendo vítima, disparando: “Como é que eu vou comer? Como é que vou beber? Como é que vou calçar?”, dentre outras justificativas injustificáveis. Isso é uma afronta à população pobre, desassistida, que sua pasta deveria proteger. O paroxismo foi alcançado quando ela afirmou que sua situação “se assemelha ao trabalho escravo”. Chantagem pura, considerando que a ministra é negra.
É como ser político que me espanto. Com a falta de empatia, responsabilidade e maturidade dessa ministra, principalmente considerando a pasta que ocupa. Reitero que não estou discutindo se o pleito é justo ou não, mas usar a causa dos direitos humanos como estratégia para obter benefícios pessoais é simplesmente inaceitável. Ela usa a escravidão do negro (desonrando seus ancestrais, que viveram dias de horror e que ainda hoje enfrentam discriminação e injustiças), a mulher (que está mais preocupada com sua capacitação do que apenas com roupas e maquiagem), o pobre que tenta sobreviver com um salário absurdo.
É como mulher que me espanto. A ministra trai também a si mesma, sem consciência da importância de sua própria trajetória. Em um país como o nosso, onde as mulheres ainda têm muito o que lutar para ocupar um lugar ao sol, Luislinda que já foi desembargadora é, agora, ministra. É uma história de sucesso, como mulher e especialmente como mulher negra. Sua demanda causa imenso prejuízo às mulheres em geral e às negras em particular: são tão poucas as mulheres em posições de poder – negras idem -, que as que chegam lá, tem uma enorme responsabilidade de manter e consolidar as conquistas para as demais. Luislinda seria um modelo excepcionalmente positivo para as mulheres que precisam sonhar e lutar por um futuro melhor, enquanto enfrentam o feminicídio de hoje.
É como ser humano que me espanto. A ministra distorce o conceito de direitos humanos que devem proteger todos os brasileiros em estado de vulnerabilidade social: pobres, deficientes, idosos, crianças, homossexuais, mulheres, desempregados, fornecendo munição para aqueles que criticam o “pessoal dos direitos humanos”.
É como profissional de transformação humana que me espanto. Acredito firmemente que não precisamos apenas de educação para nos tornamos mais competentes e competitivos. Precisamos de uma educação para a consciência, como seres humanos, como seres políticos e sociais, para não sermos idiotas comandados por políticos idiotas! Precisamos abrir os olhos, educar nossos ouvidos, para saber quem pode de fato nos representar.
Finalmente, para retratar a importância da consciência, me apoio na sabedoria do rabino Nilton Bonder. No seu livro “A alma imoral”, lindamente imortalizado pela atriz Clarice Niskier em peça homônima, ele diz: “Um cavalo que se sabe cavalo, não é um cavalo. Um macaco que se sabe macaco, macaco ele não é. Uma cobra que se sabe cobra não é uma cobra. Um ser humano que se sabe um ser humano é um ser humano. Um ser humano que não se sabe um ser humano, aí é um cavalo, um macaco, uma cobra”. O que se pode dizer, então, de uma ministra que não se sabe ministra?

 

A ministra que trai a própria pasta
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Ane Araujo


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3 opiniões sobre “A ministra que trai a própria pasta

  • Avatar
    6 de novembro de 2017 em 13:31
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    Prezada Ane,

    Endosso integralmente seu desabafo e perplexidade ante a postura vexatória dessa senhora. Dada a importância simbólica que ela potencialmente teria na reafirmação das conquistas da sociedade contra a misoginia , o racismo e o preconceito sócio-econômico, é desalentador perceber que ela foi traída por sua própria consciência (ou falta de), se mostrou escrava do caldo cultural individualista, patrimonialista e hierarquista que continua a nutrir o Id brasileiro.
    A dissociação entre o discurso e as ações é gritante, porém não me causa mais espanto, pois não se trata de caso isolado.
    A exceção, em terras brasileiras, infelizmente virou regra !

    Creio que o que mais choca nesse caso é a ruptura da imagem romantizada da defesa das minorias e a constatação nua e crua de que o que prevalece é o espírito de Macunaíma, essa praga que nos assola há tempos .

    Sugiro, como elemento de reflexão , a leitura de “A Cabeça do Brasileiro”, de Alberto Almeida. É um relato de uma pesquisa sobre nós , povo brasileiro, ao mesmo tempo perturbador e esclarecedor. Vale o investimento !

    Acredito que as coisas estão mudando gradativamente , através do rompimento das amarras da ignorância, da subjugação e do fatalismo conveniente que a verdadeira educação proporciona em termos de desenvolvimento da própria consciência e da capacidade analítica / crítica.
    Forte abraço !

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  • Avatar
    8 de novembro de 2017 em 22:51
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    Ane,

    Seu texto é brilhante e demonstra exemplarmente como estamos longe como povo e nação em relação aos mais simples conceitos humanos.

    O que deveria ser alvo da indignação da maioria da população nos seus círculos mais humildes, torna-se peça de discussão em meios culturalmente elitizados e minoritariamente relevantes em expressão, de tal forma que, o que deveria ser a “voz do povo” a retumbar nos ouvidos de nossos políticos e dirigentes, mesmo que propalada pelos meios de comunicação, terá eco surdo e breve.

    Este artigo mereceria o destaque como editorial dos periódico dos mais conceituados do país e ensejaria até uma tese de sociologia, que infelizmente demonstraria mais uma vez não só a nossa incompetência em eleger representantes dignos mas pior do que isso: nossa total incapacidade de removê-los por suas faltas e a nossa fragilidade moral a nos levar a querer repetir tais atos na primeira oportunidade que nos aparecer.

    Somos sim um povo doente e sem auto estima a tal ponto que não reagimos e sequer ficamos ultrajados com uma afronta deste tamanho. Afronta esta que nos atinge como uma luva de boxe profissional, gentilmente forrada de pelica, nos deixa atônitos, perplexos e sem reação.

    A questão que vem como pano de fundo é: como atuar na cura desta doença? Como “vacinar” uma população para esta não perder no berço a sua auto estima social? E como resgatar aquela que já foi perdida?

    Parabéns; pelo menos um objetivo você já atingiu: nos tirou da inércia e assim como minha reflexão me levou à ação com meu jardineiro, faxineira e trabalhadores da vizinhança, espero que tenha feito o mesmo com muitos outros.

    Quem sabe poderemos nos tornar como nação, seres humanos que se sabem humanos, e não fantoches ou marionetes sem alma. A alma de uma pátria está em seu povo, se este não tem alma…

    Abraço!

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  • Avatar
    9 de novembro de 2017 em 03:49
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    Então … o ponto de referência do qual a ministra parte é tão destorcido, que sua releitura de revisão (antes da publicação oficial) não gerou nenhum tipo de constrangimento, preocupação, dúvida … tanto que foi lá e mandou bala nas 207 páginas! É tão absurdo que o assunto viralizou super rápido, de tão ridícula que é a base de argumentação – do ponto de vista ético claro!

    Não conheço a trajetória da Ministra, mas conheço a da Ane para acreditar no que ela escreve. No entanto, questiono se a trajetória conhecida é realmente a trajetória real, ou se tudo foi um jogo de interesses que deu certo … até ser traída pela própria consciência.

    E já que a Ane e o Fabio citaram algumas referências em seus textos, vou incluir um também, lembrando-nos do protagonismo. Leandro Karnal diz: “Não existe país no mundo em que o governo seja corrupto e a população honesta e vice-versa”.

    Grande abs a todos!

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