As muitas impotências do caso do Porsche

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By: Marcondes Consultoria / 9 de junho de 2024

Na madrugada do último dia 31/3, a imprensa noticiou um acidente envolvendo um Porsche e um Sandero. A nota descreve que, logo após o acidente, “é possível ver (através das imagens das câmeras dos policiais) que a mãe do jovem que dirigia o carro e estava com sinais de embriaguez, deu uma bronca no filho para que eles fossem embora da cena do crime. O motorista do Sandero atingido pelo Porsche morreu no hospital após colisão. Empresário responde em liberdade por homicídio, lesão e fuga do local do acidente.”

Todos os papéis que vivemos ao longo da vida foram desenvolvidos a partir das relações que estabelecemos com as nossas matrizes de identidade, sendo as parentais as mais importantes. Assim, desenvolvemos um papel através dos seus complementares – desenvolvo meu papel de pai sendo filho; desenvolvo meu papel de marido observando a relação conjugal dos meus pais. Entretanto, não sou, necessariamente, uma cópia de todos os meus complementares. Em algum momento, o exercício da crítica – quando essa tem espaço naquelas relações – e a consciência, me permitem olhar criticamente para os modelos e incorporar crenças, valores e comportamentos que considero adequados, descartando aqueles que não me servem para o exercício desses papéis, agora renovados pela reflexão crítica. Poderei ser, portanto, um pai diferente para meus filhos, um cônjuge diferente, assim como um cidadão diferente dos meus modelos. Assim caminha a humanidade.

A mãe do assassino, que se apresenta como Modelo, em 2023 registrou dois BO’s contra seu ex-marido, pai do rapaz. O primeiro por uma agressão em que ele tentou enforcá-la com o fio do carregador do celular. O segundo foi por um estupro depois de ter sido drogada por ele. Essa mãe-modelo é a peça-chave nessa tragédia. Ela se diz vítima de um impotente – o ex-marido, sim, impotente, aquele que ainda não tem potência e, portanto, precisa da potência do dinheiro – ele a chamava de “putinha” durante a agressão.

O ex-marido teve, em casa, modelos de homem, pai, marido, entre outros. É pouco provável, pelos seus comportamentos, que ele tenha feito, em algum momento, uma revisão crítica dos modelos que lhe foram passados. Assim, ele também modelou, reproduziu, esses papéis em seu filho, o assassino. Minutos antes do crime, na saída de uma casa de poker, o assassino discute com sua namorada que não quer que ele dirija – mais tarde ela mentiria à Polícia sobre o consumo de álcool pelo grupo (qual foi a pressão que ela não suportou?) – há vídeo mostrando o consumo de drinques de uísque por parte deles. Irritado com a namorada, o assassino entra no seu bólido, junto com o amigo. As duas namoradas vão em outro carro.

Impotente, ele precisa das milhares de cilindradas do Porsche. Acelera – segundo ele “um pouco acima de 50km/h”. Um laudo da Polícia Técnico Científica revelou que o Porsche transitava a 156,4 km/h. Ele precisava muito da potência do carro. Não tinha potência para entender-se fragilizado pelo álcool e entregar o carro para outro motorista. Em uma família onde o padrão masculino é a força, a violência, não há espaço para a fragilização corajosa. A sequência é um crime. A vítima, um trabalhador inocente. Que cometeu o erro de ficar na frente do impotente em ataque de fúria.

Chegam os policiais – que ficam repentinamente impotentes diante da arma do crime: um Porsche! Eles, coitados, só estão acostumados com os “treizoitão” dos pés de chinelo, ah, mas um Porsche é outra coisa! Não fazem o teste do bafômetro. Com a chegada e intervenção da mãe-modelo eles se acoelham e liberam o assassino para ir a um Hospital fazer um curativo na boca. Não foi. Foi para casa. O amigo sim, foi para um Hospital, perdeu o baço, foi entubado. Quando recobrou a consciência/potência, revelou a verdade: sim, eles beberam. A mãe-modelo aparece dias depois com o filho – com um ar apalermado – na delegacia. Não há mais chance de flagrante. O álcool já evaporou. Paga 500 mil reais de fiança e se oferece para pagar um salário-mínimo para a família do motorista de aplicativo.

A mãe-modelo não se dá conta da reprodução de um padrão: ao “passar o pano”, protegendo um assassino, ela está dando continuidade a um processo de modelagem dos papéis de homem, marido e pai do qual ela mesma foi vítima! A ambivalência é evidente: é vítima/cúmplice de um modelo em que a únicas vítimas são o motorista de aplicativo – Ornaldo da Silva Viana e o amigo, que vai passar o resto da vida correndo riscos pela sua baixa capacidade de produzir anticorpos de proteção, justo ele, um futuro médico. Quanto ao assassino, a esta altura já será conhecido entre seus amigos, como “aquele que deu PT em um Porsche, meu!”

PS. O único que merece ter seu nome citado é a vítima fatal. Uma homenagem singela. Os outros, se pagarem pelo crime, devem ficar na poeira da estrada.

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