Odino Marcondes
Confesso que estou cansado de ouvir, de ministros do STF a governantes, a inclusão do advérbio de intensidade mais às palavras justo ou justiça. A frequência é tanta que até o cidadão comum incorpora o advérbio à sua fala, resignando-se a esperar o dia em que terá, por direito, uma justiça inteira. Por enquanto vai recebendo migalhas de justiça, como uma concessão dos poderosos.
Não por acaso quem nos apresenta a visão de uma justiça a ser conquistada, no futuro e aos poucos, são justamente aqueles que receberam mandatos de poder de torná-la imediata.
Entendo que justiça, no seu tempo histórico, é um conceito absoluto, ou temos, ou não temos. Não consigo conceber meia justiça. É o caso, portanto, de perguntarmos sempre: quão mais justa deve ser a sociedade? Um pouco mais? Um montão?
A questão tem dois ângulos: além da “quantidade” da justiça há o tempo que ela demora para chegar. Há mais de um século Ruy Barbosa parafraseou Sêneca, pensador romano, cravando que “justiça que tarda não é justiça”. Mesmo quando ela vem “inteira”, se está atrasada, não cumpre o seu papel: garantir direitos. Quantos casos existem de vítimas de injustiças que já estavam mortas quando ela chegou. E os casos de pessoas presas por décadas antes de serem inocentadas. Portanto, a questão está longe de ser nova.
Apesar de ter nunca sido um aluno de Português brilhante, gosto e busco sempre um uso preciso para as palavras, especialmente quando estou assessorando nossos clientes na formulação ou revisão dos seus Marcos Filosóficos – propósito, visão, missão e valores. A definição da visão do futuro é sempre a mais trabalhosa, requerendo um esforço simultâneo de sonhar e formatar. A primeira questão é o entendimento do que é uma visão do futuro. Uma visão é um resultado, algo que estou vendo lá em um futuro impredizível, e apesar de não haver nenhuma garantia de que ele será alcançado, seu poder inspirador é constatável em um sem-número de fatos históricos. Gosto da definição dada por Yuval Harari: uma visão do futuro é uma “realidade imaginada”. Desde tempos imemoriais, a humanidade vem imaginando – o que implicou criar imagens, visões – para mudar o mundo. Elas são uma espécie de moldura que trazemos do futuro para iluminar o presente determinando os comportamentos que as tornarão reais. Ao emoldurar o presente, a visão determina que o futuro é hoje.
Quando alguém adverbiar os substantivos justo ou justiça, ele estará usando o artifício para adiar mudanças que dariam a qualquer pessoa o acesso às formas de justiça integrais, imediatas e não postergadas para um futuro impreciso. Uma visão – ter um mundo mais justo, ou construir uma sociedade mais justa, além do adiamento indefinido, não garante que ele o ela nos serão garantidos por inteiro. Quem faz um discurso assim, não está comprometido em garantir justiça inteira e imediata.
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