As conversas organizacionais nunca estiveram tão magras. Como são feitas através dos novos aplicativos – Zoom, Webex, Teams etc. – elas têm hora para começar e para acabar, forçando as pessoas a um nível de objetividade incomum, especialmente para a nossa cultura. Não há espaço para divagações, informalidades e amenidades. Tudo muito direto, seco, magro. Para o bem e para o mal.
Se fizermos um trabalho arqueológico de uma reunião típica, podemos encontrar as seguintes camadas:
O aquecimento inespecífico corresponde à etapa em que as pessoas iniciam o processo de inclusão: falam da meteorologia, do trânsito, dos acontecimentos do dia, das manchetes dos jornais, das amenidades enfim. É uma etapa com duração variável, dependente do grau de intimidade que as pessoas possuem e do quanto estão à vontade com a situação/reunião. Quando o tema é tenso, elas sabem que precisam se acalmar e podem investir mais tempo nesta etapa. Quando não se conhecem, tendem a investir um pouco mais de tempo para tentar identificar, nos comentários gerais, alguma pista sobre valores e crenças dos interlocutores. Assim, um comentário genérico e isento sobre uma medida do governo, pode provocar o interlocutor a falar o pensa realmente sobre o tema, com isso, obtém-se um posicionamento político mais claro. Nesta etapa, é possível obter uma informação sobre o estado de ânimo e humor do interlocutor. Se ele está relaxado e disponível para uma conversa mais longa, ou se está ansioso e apressado para chegar logo ao foco.
O aquecimento específico ocorre quando, a partir do inespecífico, o tema central é focado. Por exemplo, se se trata de uma reunião para falar de orçamento, começar a falar da economia do país já permite apontar na direção do foco. Aqui, às vezes, o interlocutor pode ainda não estar preparado para focalizar, e não é incomum que ele volte ao inespecífico exigindo que a outra parte manobre com habilidade para reencaminhar o tema na direção desejada.
Finalmente, as partes sentem que já podem entrar no tema central, o foco da reunião. Mas, em caso de um impasse iminente, uma das partes pode manobrar e voltar para etapa anterior generalizando o assunto para destensionar o ambiente. Quando sentir que é apropriado, apontará novamente na direção do foco. Há, portanto, toda uma coreografia que, se bem executada, levará a reunião a bom termo.
Quando o arqueólogo se debruça sobre o campo de observação, constata que esse objeto/reunião tem gordura, carne (recheio) e ossos (estrutura). Portanto, está completo e cada uma das partes durou o tempo necessário e suficiente cumprindo suas funções.
O fato é que os novos tempos estão tornando as reuniões muito magras, não há tempo nem ambiente para se falar de amenidades. Como não existem antessalas, as pessoas não fazem contatos informais onde, muitas vezes, surgiam oportunidades interessantes de negócios e parcerias. Tal como no futebol, elas tinham tempo para o aquecimento. Agora, têm que entrar jogando. Aí o risco de uma distensão é maior.
Executivos têm compartilhado comigo que estão marcando sessões online com cada um dos seus diretos, apenas para tratar de amenidades. O que era natural e parte de um processo, agora virou um ritual.
Ganhamos objetividade, perdemos subjetividade, correndo o risco de nos transformarmos no que Nelson Rodrigues chamava de “os idiotas da objetividade”. Um pouco mais de gordura não fará mal nenhum.
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